Tricampeão mundial de Fórmula 1, Nelson Piquet não anda satisfeito com o momento da categoria de elite do automobilismo mundial. Com ultrapassagens facilitadas pela existência da asa traseira móvel e pouca necessidade de os pilotos entenderem de mecânica, o brasileiro não hesita em apontar sua época na categoria como melhor.
O apego a seu tempo é tanto, que até ao falar sobre o alemão Nico Rosberg acaba dizendo sem querer o nome do pai, o finlandês Keke, campeão do Mundial de 1982 e um de seus rivais. Para Piquet, o filho de seu antigo adversário deve acabar com o vice-campeonato da temporada, superado pelo britânico Lewis Hamilton.
Piquet compareceu a Interlagos nesta quinta-feira para acompanhar o filho Pedro, de apenas 16 anos, e concedeu entrevista a um pequeno grupo de veículos. O jovem piloto estreou no automobilismo em 2014 e já conquistou por antecipação a temporada da Fórmula 3. Neste domingo, compete na Copa Porsche GT3 Challenge, preliminar do GP do Brasil.
A esperança de Piquet é que Pedro continue evoluindo no automobilismo nacional antes de iniciar carreira no exterior e então começar a traçar seu caminho até a Fórmula 1. Atualmente, o Brasil tem na categoria de elite do automobilismo apenas Felipe Massa, piloto que, na visão do tricampeão mundial, caiu de desempenho após grave acidente em 2009.
No treino classificatório para o Grande Prêmio da Hungria daquele ano, Massa, então piloto da Ferrari, foi atingido na cabeça por uma mola que se soltou do carro de Rubens Barrichello. O brasileiro teve fratura craniana, passou por cirurgia e chegou a ficar em coma induzido.
Como você analisa a mudança de perfil do piloto de Fórmula 1? Antigamente tinha que desenvolver o carro, entender de mecânica, e hoje em dia tudo é mais simples, com telemetria, muitos engenheiros…
Nelson Piquet: É a evolução da tecnologia, não tem jeito. Hoje em dia na Fórmula 1 você está recebendo os dados nos boxes em tempo real. E na fábrica ao mesmo tempo. Antes de o piloto abrir a boca, a equipe sabe o que está acontecendo. É bem mais rápido. O piloto precisa ser rápido e não errar, isso basta. Pode chegar lá um total imbecil, sem saber nem como funciona o motor, mas se for rápido e não errar, faz o serviço dele.
O público brasileiro é saudosista em relação à época de Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna porque o Brasil ganhava títulos. Hoje acha a categoria chata por causa da tecnologia e da falta de vitórias nacionais. O piloto da Fórmula 1 atual, muitas vezes rotulado como piloto de videogame, é pior do que os de antigamente?
Piquet: O cara podia ter o talento que fosse, mas se não conhecesse de mecânica e não soubesse desenvolver o carro para o próximo ano e até para aquelas corridas, ele perdia muito. Você não pode pegar um menino de 16, 17 anos de agora e botar naquela época da F-1, porque não iria saber nem para que lado o carro andava.
O uso da tecnologia te incomoda em algum outro setor?
Piquet: O que não é legal é esse negócio de ‘vamos fazer uma corrida para o público’. O cara está meio segundo atrás, abre a asa e passa. Acabou. Ultrapassar e nada é a mesma coisa. Anda a 30km/h a mais na reta, passa o cara e já era. Antes era tão bacana, você programava, entrava na reta atrás do cara para ter a velocidade de entrar no vácuo, sair e passar o cara. A técnica toda, isso e aquilo, acabou. Pior ainda é esse negócio dos pneus. Às vezes está bom, às vezes não. Você vê um cara passando o outro, de passagem. Pô, que é isso? Ah, porque o cara parou no boxe. Meio confuso para mim. Eu acho uma m… do jeito que está. Não queria correr em uma F-1 dessas. Gostava mais no meu tempo que tinha essa coisa de ultrapassar.
Na sua época, desenvolvia-se um motor por meses e havia evoluções no carro ao longo do ano. Hoje a F-1 evolui em tecnologia, mas tem coisas que não podem ser desenvolvidas, como os motores, que são ‘congelados’. Você acha isso ruim para a F-1?
Piquet: O pior é fazer alguma coisa de tecnologia que facilite a ultrapassagem, a competitividade entre um e outro na pista. Isso está errado. A evolução da tecnologia é boa porque no fim usamos no carro de rua. Isso é bacana. Tudo que é testado na Fórmula 1 vai para a rua, câmbio, dupla embreagem. Não concordo com esse negócio de abrir asa, tirou um pouco… E outra coisa também é a briga de pneu. Isso deveria ter. Não podia ser uma marca só. É bacana e o desenvolvimento ajuda as fábricas a ter compostos melhores. Se você deixar uma empresa só pagando o que tem que pagar e fazendo o pneu que quiser…
Falta o desenvolvimento ao longo do ano? A possibilidade de mudança?
Piquet: O problema todo não é esse. Se você inicia o ano e o negócio é congelado, um cara que inicia mais forte vai ficar mais forte a competição inteira. Isso está errado. O desenvolvimento deveria ser constante. Mas aí custa mais caro, uns carros vão ter isso, outros não. É difícil fazer um negócio que deixa todo mundo igual.
Você acha que o Felipe Massa se reencontrou na Williams agora longe do Alonso?
Piquet: A experiência não é igual de uma pessoa para outra, mas bater a cabeça muito forte… Você perde aquele último sentimento. E ele vinha muito bem até ali. Depois do incidente, o negócio desandou. Você pode voltar um pouco, mas é difícil. Quando eu bati em Ímola, para mim acabou. Continuei ganhando dinheiro lá porque estava enrolando eles.
Foi campeão ainda…
Piquet: Ganhei um Mundial, é verdade. Mas viu como eu andava atrás dele
Você sofreu este acidente em Ímola em 1987 e mesmo assim foi campeão do Mundial, disse que levou na malandragem…
Piquet: Naquele ano.
Na Fórmula 1 de hoje existe a telemetria, não dá para esconder acerto de carro. Ainda dá para ser malandro?
Piquet: Se o cara tiver uma cabeça fraca, até dá. Você pode provocar o cara. Na pista eu nunca fiz, e nunca seria capaz de fazer, nada que alguém pudesse falar alguma coisa, que provocasse acidente. Nunca provoquei acidente para ganhar campeonato. Tudo o que ganhei foi limpo, vencendo tudo. Agora, fora da pista, sim. Nos boxes, nos acertos, fiz de tudo para ganhar do meu companheiro. Hoje a gente não sabe, talvez aconteça lá dentro. O Vettel está comendo um pepino danado aí, não sei como, porque o outro cara é novo, ele é tarimbado e não consegue guiar o carro. A gente tinha que saber, mas estou muito longe. Até venho conversar com o Lauda para ele me contar algumas coisas. Verstappen, que ganhou tudo no kart lá fora, os caras vão lá e pegam. Andou de Fórmula 3 e ganhou com time pequeno? Os caras vão e te pegam. Na Fórmula 1 não tem bobo, os caras são espertos.
A Fórmula 1 atual tem cinco campeões no grid. Quais pilotos você admira?
Piquet: Tem vários aí. Hoje em dia só tem campeão, cara. Tem o Alonso, o Vettel. O Ricciardo agora está andando pra cacete, o próprio Hamilton, o Keke ganhou suas corridas, tem seu valor. Todo mundo aí. Não tem o que falar. Agora, iguala por causa dos carros, acho que se os carros fossem mais difíceis, quebrassem mais, o cara que quebrasse menos teria vantagem.
Você conhece bastante o Bernie Ecclestone, que para muitos não tem um sucessor claro. Tem gente que imagina até a categoria entrando em colapso quando ele se aposentar. Você consegue pensar em alguém para substituí-lo ou é preocupante?
Piquet: É preocupante. Eu trabalhei com ele, estive na F-1 por 13 anos e depois acompanhei tudo. Ele tem uma cabeça fantástica. Não só ganha muito dinheiro, como faz todo mundo ganhar dinheiro. Vai ser muito difícil quando ele parar. Se você soubesse como ele é rápido pensando, como é sharp. Conversando, brincando, contando piada. É impressionante. Aprendi tanta coisa com ele, de vida. Vou falar e você vai até rir, mas dois caras me fizeram ver um outro nível de inteligência. Um é o Bernie. O outro, você vai rir agora, é o Luiz Estevão. O cara é tão inteligente, mas é doente. Se você conhecer ele bem, é uma inteligência impressionante. Se usasse isso para o bem, seria presidente da República. O Bernie é desse jeito, uma pessoa fora de série.
Para a sua vida empresarial, você aprendeu algo com o Bernie?
Piquet: Sem dúvida. Não só com ele, mas com a Fórmula 1 toda. Trabalho em equipe, início meio e fim. A largada é 12h, tem que estar tudo ponto às 12h. Essas coisas você aprende com o esporte e usa no dia a dia do empresário. Até meus 40 anos nunca trabalhei, nunca fiz porra nenhuma, minha coisa era corrida. Mas o desenvolvimento de trabalhar na equipe, saber como faz e organizar me ajudou na vida empresarial.
Fonte: http://espn.uol.com.br/